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Mário Perini |
PERINI, Mário A. Sobre língua, linguagem e Linguística: uma entrevista com Mário A. Perini. ReVEL.
Vol. 8, n. 14, 2010. ISSN 1678-8931 [www.revel.inf.br].
O que é língua?
Língua é um sistema programado em nosso cérebro que,
essencialmente, estabelece uma relação entre os esquemas mentais que formam
nossa compreensão do mundo e um código que os representa de maneira perceptível
aos sentidos. Esse sistema é muito complexo, pois possui regras, itens léxicos,
expressões idiomáticas e acredita-se que esse sistema seja inato
em uma parte, ou seja, já nascemos com a
capacidade de aprender e desenvolver uma língua e por parte não é inato, pois
precisa ser aprendido por observação, como fazem as crianças.
Qual a
relação entre língua, linguagem e sociedade?
O conceito de linguagem é mais amplo que o conceito
de língua. Língua é uma das inúmeras
manifestações de linguagem. Sendo assim, a relação da linguagem com os seres
humanos e sua interação é extremamente importante e a principal manifestação
que impulsiona isso são as línguas. Elas são a imagem que um povo tem de si,
confunde-se com a maior parte da cultura desse povo e é uma arma política
poderosa.
Há vínculos
necessários entre língua, pensamento e cultura?
Podemos usar a língua para pensar, e fazemos isso
sempre. O conhecimento e o uso da língua são formas de pensamento. Quando
usamos uma língua, utilizamos todo tipo de conhecimento de mundo, numa
fronteira que aproxima esses dois tipos de conhecimento. Em relação ao vínculo
entre língua e cultura, ela se dá devido ao fato de as manifestações de base lingüística
estarem inseridas na cultura.
A linguagem
tem sujeito?
Antes de responder a pergunta, há a necessidade de se
definir o que se entende por “sujeito”.
O que é
linguística?
É o estudo dos códigos usados pelas pessoas para se
comunicarem, e da capacidade inata que nos permite levar a efeito essa
atividade. Alguns linguistas afirmam que a principal função da linguagem é
permitir o pensamento e a comunicativa seria apenas secundária. Mas na verdade
podemos pensar sem utilizar a linguagem e não podemos nos comunicar sem ela,
não havendo dúvidas de que a função comunicativa é a primordial. A fonte
principal dos dados dos linguistas está nas línguas naturais (português,
caxinauá, húngaro e alemão, por exemplo) e a linguística estuda a evolução
histórica das línguas, as variantes que uma língua mostra segundo seu uso pelas diferentes classes sociais, as variantes regionais, o
processo de aquisição da linguagem pelas crianças e vários outros aspectos da
estrutura e do uso das línguas. Ela também busca descobrir os traços comuns a todas
as línguas.
A
linguística é ciência?
A melhor resposta seria dizer que a linguística pode
ser uma ciência, dependendo de como a praticarmos. Digamos que é uma ciência
empírica porque descreve um aspecto do universo e constrói teorias que
expliquem os fenômenos descritos. Alguns linguistas atuais acreditam ser mais
importante criar teorias do que descrever fatos de maneira sistemática, precisa
e escrupulosamente fiel aos dados da observação, tornando a linguística uma
não-ciência. Então a linguística é uma ciência na medida em que se ocupa
sempre, em última análise, do estudo de dados reais, tirados do uso normal das
línguas.
Para que
serve a linguística?
Serve para aumentar nosso conhecimento e nossa
compreensão de alguns aspectos do mundo, para descrever e explicar o fenômeno
da linguagem, na medida do possível.
A
linguística teria algum compromisso necessário com a educação?
Como ciência não tem compromisso com a educação, mas
os linguistas, como cidadãos, sim. As principais aplicações do conhecimento
linguístico se voltam para questões educacionais, tornando linguística e
educação ligadas de perto na prática.
Como a
linguística se insere na pós-modernidade?
Pode-se explicar através de três sentidos em que se
emprega o termo “pós-modernidade”. O
primeiro é um movimento que possui objetivo de subordinar o trabalho científico
a considerações de ordem ideológica, com o interesse
de fazê-lo politicamente correto. No segundo, a pós-modernidade se refere à
tendência de abandonar a ideia de ciências autônomas para concentrar atenção
nas áreas limítrofes, nas chamadas interfaces, negando-se às vezes a
possibilidade de estabelecer limites, promovendo uma interação cada vez maior
com as áreas antes consideradas marginais. E o terceiro sentido, mais visível
no campo da análise do discurso, refere-se a adaptar à linguística certas
ideias sobre ciência em geral, às vezes conhecidas sob o rótulo de “construtivismo
social”.
Quais os
desafios da linguística para o século XXI?
Do ponto de vista teórico-metodológico, o desafio é
basicamente uma reavaliação rigorosa e impiedosa das teorias à luz dos dados da
experiência, ou seja, valorizar o trabalho descritivo frente à elaboração de
teorias e modelos de
análise. Do ponto de vista da relação da linguística
com as áreas limítrofes, será necessário levar em conta a relevância da
informação de ordem psicológica, cognitiva e sociológica para a descrição das
línguas, e muito em especial para a construção da teoria. À medida em que
avança o século, a linguística deverá, em parte, redefinir-se progressivamente.
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